STF DE CELSO

Celso de Mello foi um dos responsáveis pela valorização da Constituição de 1988

Decano, que está no STF desde 1989, foi o terceiro ministro a tomar posse após a promulgação da Carta Magna

augusto heleno
Celso de Mello foi o terceiro ministro indicado ao STF depois da nova Constituição. Crédito: Fabio Rodriguez Pozzebom/Agência Brasil

O ministro Celso de Mello é um dos principais responsáveis pelo protagonismo que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem hoje no controle dos demais Poderes. Na defesa de minorias, usou de procedimentos do tribunal para ampliar direitos fundamentais. Já ao tratar de questões ligadas aos maiores casos que passaram pela Corte nos últimos anos, o mensalão e a Lava Jato, sempre esteve ao lado dos respectivos relatores. No entanto, deu votos decisivos, principalmente envolvendo direitos fundamentais, que beneficiaram os réus.

“O ministro Celso de Mello, ao longo de sua trajetória, logrou o êxito de ser um juiz constitucional”, destaca o professor Rogério Arantes, da USP, que participou junto com Juliana Cesario Alvim, da UFMG, e Diego Werneck, do Insper, da série promovida pelo JOTA e pelo Insper sobre o legado do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal. O magistrado deixa a Corte em novembro após mais de 30 anos no tribunal. A série conta com o patrocínio do Pinheiro Neto Advogados.

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O webinar desta quarta-feira (1/7) teve mediação de Thaís dos Santos Lima, defensora pública do estado do Rio de Janeiro. Ela iniciou a conversa com o professor Rogério Arantes, que falou da atuação de Celso de Mello no mensalão e na Lava Jato. “O ministro Celso de Mello esteve para o ministro Joaquim Barbosa no mensalão como ele tem estado para o ministro Fachin na Lava Jato”, diz. “De um lado, com apoio público aos relatores e uma convergência de fundo quanto ao ideal de combate à corrupção”, avalia. “E também uma solidariedade com os relatores, principalmente nos votos. Ele vota com os relatores, especialmente em julgamentos de casos concretos”.

“No mensalão, mesmo sendo um crítico do foro privilegiado, o ministro Celso foi contra o desmembramento dos casos, sobretudo no início do julgamento, quando apenas três dos 40 acusados tinham foro especial no Supremo àquela altura”, diz Arantes.

O professor lembra que Celso de Mello desempenhou um importante papel na popularização da teoria do domínio do fato durante o julgamento  do mensalão.

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O professor da USP apresentou no webinar um estudo mostrando que Celso de Mello votou em 79,8% dos casos do mensalão pela condenação dos acusados. “Apesar dessa convergência de interesses com o ministro relator, foi ele que deu o voto decisivo naquele julgamento de 6 a 5 que reafirmou o direito dos réus a fazerem uso dos embargos infringentes”, lembra. “E os embargos infringentes permitiram as revisões de algumas condenações e fez cair a condenação por formação de quadrilha em todos os casos”.

Sobre a Lava Jato, Arantes trouxe à tona uma afirmação do ministro com relação ao esquema de desvio de dinheiro público:

“A Lava Jato compõe um vasto e ousado painel revelador do assalto e de tentativa de captura do Estado e de suas instituições por uma organização criminosa identificada, em ambos os contextos, por elementos que são comuns tanto ao petrolão quanto ao mensalão”

Decisões mais recentes mudaram as regras do jogo e afetaram a Lava Jato: redefinição do foro privilegiado, em maio de 2018; a diferenciação do momento das alegações finais entre réus e delatores; e a afirmação da Justiça Eleitoral como foro de julgamento de crimes comuns conexos aos crimes eleitorais. Nos três casos, o ministro Celso de Mello votou favoravelmente às mudanças.

De acordo com Rogério Arantes, embora o ministro Celso de Mello tenha apresentado nos dois casos, no mensalão e na Lava Jato, uma posição firme no combate à corrupção, em ambos, quando questões constitucionais de relevo, envolvendo principalmente direitos fundamentais, foram tematizadas, ele deu votos decisivos que beneficiaram réus.

“Os embargos infringentes estiveram para o mensalão assim como a presunção de inocência tem estado para a Lava Jato. Nos dois casos, o voto do ministro Celso de Mello foi decisivo”

Por fim, o professor fez uma síntese para descrever o estilo de Celso de Mello: “O ministro Celso de Mello não se propõe à articulação política, não atravessa a Praça dos Três Poderes, também não se ocupa da defesa corporativa da classe dos juízes, não busca a mídia, não parece ser de intriga, não é da vanguarda iluminista, e não tem obsessão pela divergência ou pelo voto minoritário”.

Celso de Mello e a proteção de minorias

O ministro Celso de Mello foi relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) que enquadrou homofobia e transfobia como crime de racismo. O julgamento foi finalizado em junho do ano passado. Mas antes disso, o magistrado teve inúmeras decisões ligadas à proteção de minorias.

“Embora o ministro Celso de Mello venha sendo um ministro defensor das minorias, e isso está colocado em inúmeros votos, o seu principal legado está em uma concepção mais ampla dos direitos fundamentais que, a meu ver, está fundada na ideia de liberdade e democratização dos procedimentos”, afirma Juliana Cesario Alvim, da UFMG. “Nessa jurisprudência de direitos das minorias do Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello sempre tem dado votos muito marcantes, mas, em geral, acompanhando outros relatores”, diz. “Por exemplo, no caso das uniões homoafetivas, nas cotas de cunho racial, tanto nas universidades, como no serviço público, ele foi favorável”.

Alvim elenca uma série de votos marcantes de Celso de Mello em questões de minorias. “No voto dele no caso de aborto de feto anencefálico, em 2012, foi um voto muito importante, em que ele frisa bastante o Estado laico, aliás, um elemento presente em muitos dos votos dele”, lembra. “Em um caso mais recente, sobre a questão da alteração do nome e do sexo no registro civil de pessoas trans, ele foi bem incisivo ao reconhecer o direito à autodeterminação do próprio gênero, com base nos princípios de Yogyakarta”.

“O legado do ministro Celso de Mello com relação aos direitos de minorias e os direitos fundamentais, em geral, se deu por meio de dois outros instrumentos: de um lado, a defesa das liberdades e de outro a defesa das regras procedimentais, que envolvem participação e a ideia de eficácia plena dos direitos fundamentais. Por vezes, esses elementos vão se confundir”

Para Alvim, Celso de Mello “quer, por meio do procedimento, efetivar os direitos fundamentais”. Segunda ela, “é uma visão, de alguma maneira, substantiva do procedimento”.

“Ele foi pioneiro no Supremo Tribunal Federal em defender a efetiva participação dos amici curiae”, afirma Alvim. “Tem um caso de 2000, de relatoria dele, em que estabelece que os amici curiae têm a prerrogativa de realizar sustentação oral como um elemento de efetividade, um fato de legitimidade social da decisão”.

A professora da UFMG também destaca que o ministro foi pioneiro ao defender a indicação de uma ministra mulher para o Supremo Tribunal Federal.

Defesa de maior atuação do STF

Celso de Mello foi indicado ao Supremo Tribunal Federal em 1989, poucos meses após Paulo Brossard e Sepúlveda Pertence. Eles foram os três primeiros ministros indicados sob a nova Constituição, de 1988. “Em muitos casos, esses três novos ministros foram arautos das nova Constituição”, afirma Diego Werneck, do Insper.

“Sabemos que o STF não foi alterado em sua composição na transição para a democracia. A maioria dos ministros naquela composição inicial, herdada da ditadura, insistia, durante muitos anos, em ver a nova Constituição com olhos antigos, modulando para menos muitas das inovações da Constituição”

Em sentido oposto, Celso de Mello avaliava a necessidade de aderir de forma profunda à nova Constituição. “Desde suas primeiras decisões no Supremo, em frequente contraste com essa velha guarda do STF, e ao longo dos anos 90, Celso de Mello sempre foi uma voz marcando a diferença da novidade da nova Constituição”, destaca Werneck. “Celso de Mello sempre dizia que a nova ordem exigia algo diferente do Supremo, um papel que talvez fosse considerado político demais dez anos antes”, diz. “Ele sempre procurou, desde a sua entrada no tribunal, construir o argumento de que a atuação mais ampla possível do STF é algo exigido pelo nosso reconhecimento do máximo valor possível à própria ideia de Constituição”.

Essa construção de aumento de importância do Supremo ocorreu de forma constante na trajetória de Celso de Mello. “O ministro aproveita cada caso para construir essa narrativa de empoderamento crescente do Supremo, em tese”.

Como exemplo, Diego Werneck lembra de um caso no governo de Fernando Henrique Cardoso. “Em 1997, em um ADI, afirmou que se impõe ao STF iniciar o processo de reação institucional ao uso excessivo de Medidas Provisórias pelo presidente”, explica. “Ao fazer isso, reconhecia de forma crítica uma tradição de passividade relativa do Supremo nos anos anteriores”, destaca. “Afirmou nesse caso, e em outros, coisas como ‘a indiscriminada reedição é comportamento que não presta necessária reverência ao texto constitucional, transforma a Constituição em uma peça subalterna, desvestida do elevado significado político e jurídico que possui na consciência dos povos”.

“Ao revisitar sempre esse tema de expandir a possibilidade de atuação do STF, ele o faz como se ela fosse irmã gêmea da própria Constituição de 1988. Ele enfatiza que os limites constitucionais servem para todos os Poderes, mas em muitos votos acrescenta coisas como ‘a missão política do Judiciário reveste-se de um significado transcendental no plano de nossas instituições republicanas”

Além disso, Celso de Mello sempre se preocupou com a manutenção de valores democráticos. “É típico na jurisprudência de separação de Poderes de Celso de Mello que o detalhe constitucional ceda espaço aos princípios gerais e ideias gerais sobre o valor e a importância da democracia”, afirma Werneck. “E esse espaço, uma vez cedido, é ocupado pelo próprio STF, participando cada vez mais da revisão de decisões de outros Poderes”.

Para Werneck, o ministro é um dos principais responsáveis pela representatividade que o Supremo tem hoje. “Ele foi fundamental para ampliar, justificar a normalizar o vasto poder que o STF afirma ter hoje, e empurrou para a frente, com sua narrativa incansável de valorização da Constituição como limite, um Supremo que pecava nos anos 90 pelo excesso de timidez”, diz. “A palavra judicial precede poder, e o poder que o STF exerce hoje foi pavimentado em boa medida por teses do ministro Celso de Mello”, avalia. “Ele contribuiu para normalizar e disseminar a ideia de que a nossa democracia precisa de um tribunal que a aceite a tarefa de controlar os demais Poderes”.