CASA JOTA

Caso Gamestop: a dificuldade em punir responsáveis por manipulações no mercado

Debate na Casa JOTA tratou dos desafios em punir movimentos de investidores que tentam manipular valor de ações

Crédito: Wikimedia Commons

Nos últimos anos, o mercado de capitais tem passado por momentos disruptivos, principalmente com a popularização das negociações de ações e com a facilidade de diálogo online entre os investidores. Um exemplo disso foi o episódio da Gamestop, em que um grupo de pequenos investidores se organizou em fóruns da internet para elevar os preços das ações da empresa americana responsável pela venda física de jogos eletrônicos.

A companhia, que é listada na bolsa americana, estava com o valor de suas ações em queda. Grandes fundos de investimentos começaram a apostar contra os papéis da empresa porque não viam futuro no modelo de negócios da empresa. Os fundos, grosso modo, alugaram as ações para vendê-las para um terceiro, na cotação vigente, com o intuito de recomprá-las quando o preço da ação estivesse mais baixo. Assim, teriam lucro.

Quando o grupo de pequenos investidores percebeu a movimentação, bolou uma estratégia em conjunto para valorizar as ações — obrigando os fundos a recomprá-las, gerando um prejuízo muitas vezes milionário. Em três dias, o valor dos papéis da Gamestop subiu quase 500%.

O episódio chacoalhou o mercado financeiro mundial, inclusive o do Brasil. Movimentações parecidas foram registradas por aqui, como a envolvendo os títulos do Instituto de Resseguros do Brasil, que estavam em queda. O Ministério Público de São Paulo, inclusive, já anunciou que abriu um procedimento para apurar a possível ocorrência de crime financeiro.

A grande discussão por trás do episódio envolve a responsabilização das pessoas que organizaram a movimentação. É possível dizer que houve manipulação ilícita de mercado? Quais são as punições que podem ser aplicadas? Em webinar realizado pelo JOTA nesta quinta-feira (11/2) especialistas no assunto debateram o tema.

Participaram do bate-papo Marina Copola, sócia do Yazbek Advogados, Marcelo Cavali, juiz federal e professor do mestrado da FGV-SP e da Uninove, e Isac Costa, ex-analista de mercado da CVM, professor de direito empresarial e consultor em regulação financeira.

Foi unânime o entendimento de que, como a negociação foi feita em um fórum na internet, com milhares de pessoas, punir algum responsável é um grande desafio e de difícil resolução. Isso porque esse foi um movimento que viralizou, o que o torna bastante complexo em relação a identificar quem sugeriu a estratégia.

“Quem foram as pessoas que estavam compradas nessas ações quando o movimento começou? A construção de um caso assim não é fácil. A acusação passa por construir uma correlação entre as posições que foram assumidas, as manifestações dessas pessoas na internet e a idoneidade dessas manifestações em potencializar esse movimento. Mas estamos falando de viralização e muitas vezes você perde o controle dela”, disse Isac Costa.

Para Marina Copola, é difícil, inclusive, dizer se esse foi um ato ilícito. “Há uma série de fatores quando falamos de manipulação de mercado. Nesse caso, além do conluio, temos a análise do dolo, que aqui pode ser difícil de aferir na prática”, afirmou. 

Já na opinião de Marcelo Cavali é possível dizer que esse tipo de conduta é manipulação, mas apontar os responsáveis não é simples. “Não estamos falando de pessoas que se reuniram para dizer que essa empresa é boa. Não. Estão dizendo ‘vamos tentar atingir determinado valor, depois vamos causar dano em fundos institucionais’. Era o que se fazia lá atrás. A diferença é que essas manifestações são feitas agora nas redes”, disse.

“Se realmente for provado que houve manipulação quem responderia, a princípio, são as pessoas que começaram. Mas isso talvez seja impossível pela quantidade de gente envolvida”, completou.

No entanto, uma possível responsabilização penal dos envolvidos é uma situação complexa, segundo Cavali. “Para fins de punição, depende de tipicidade, ou seja, que a ação preencha todos os elementos da norma que permite punir. No âmbito administrativo haverá discussão se foi uma condução artificial. No âmbito criminal temos regra que pressupõe que só é possível essa imputação se a infração administrativa não for suficiente”.

Fundamentos econômicos

Segundo os especialistas, um dos principais pontos para conseguir enquadrar movimentações semelhantes às da Gamestop como manipulação envolve uma análise dos chamados fundamentos econômicos do mercado de capitais.

“Qual é o problema da manipulação por operações? Aqui, é preciso pensar qual função do mercado de capitais: trazer dinheiro dos projetos menos eficientes da economia para os mais eficientes. Ele tem um papel no desenvolvimento econômico das sociedades”, avaliou Cavali.

Para Costa, os fundamentos econômicos são os que mais precisam ser observados em uma análise de casos semelhantes. “O mercado de capitais não nasceu para ser um cassino. Há uma expectativa de ganhos rápidos, uma certa adrenalina, mas o mercado cumpre algumas funções econômicas importantes”.

Copola pontuou que para caracterizar uma manipulação é necessário olhar para a conduta e averiguar se ela, manifestamente, teve a intenção de mexer no preço, sem que, por trás, haja um fundamento econômico.

“Acho que estamos hoje em um momento de disrupção. Vemos isso numa série de movimentos, não só no da GameStop. A imbricação do mercado com outros fenômenos, como as mídias sociais, está transformando o ambiente e os fundamentos”, disse.

“Mas neste caso, qual o fundamento? Se foi simplesmente mover o preço, acho que a gente poderia estar potencialmente olhando para um ilícito de mercado. De difícil apuração? Talvez nem tanto, porque os órgãos de controle têm acesso a esses blogs, mas é muito difícil você chegar até as pessoas que iniciaram”, completou.

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