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Barroso: ‘A verdade não tem dono, mas a mentira deliberada tem’

Em webinar do JOTA, ministro Barroso, do STF, e Felipe Neto falaram de jovens na política, polarização e fake news

Barroso
Felipe Neto: “Dentro dos nossos estudos e de todo o mergulho que estamos fazendo para entender o que está acontecendo na internet brasileira, uma certeza que está muito clara é que esse ódio é articulado. Mas ele depende da ignorância do povo, que vai se permitir ser comandado por esse ódio”.

A poucos meses das eleições, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), resolveu dedicar à defesa do diálogo o papel educativo que entende ser inerente à função de comandar o ponto alto do processo democrático no país.

Polarização, para ele, é algo da natureza humana e sempre vai existir. “Só não existe polarização onde existe ditadura, onde existe autoritarismo, porque aí você sufoca o outro lado”, ressalta. “O que nós precisamos no Brasil é acabar com essa incapacidade de as pessoas diferentes debaterem ideias e argumentos e imediatamente passarem a atacar o outro”, diz. “Quem pensa diferente de mim não é meu inimigo, não é meu adversário, é meu parceiro na construção de um mundo plural e de uma sociedade aberta”, destaca Barroso. “Faço parte de um esforço de fazer com que os diferentes se tratem com respeito e consideração, como a vida civilizada deve ser”.

O ministro participou, nesta quinta-feira (30/7), ao lado do youtuber Felipe Neto, de um webinar promovido pelo JOTA sobre a influência da política sobre os jovens e a influência dos jovens na política.

Alvo da disseminação massiva de notícias fraudulentas e de ataques na porta de sua casa nos últimos dias, Felipe Neto acredita que o ódio articulado das redes pode ser dissipado pela educação. “Precisamos ensinar as pessoas como usar a internet, como não se tornarem massa de manobra”, diz.

Segundo ele, esse é um caminho lento e que vai precisar ser feito de forma gradual: “a gente vai mudando de pouquinho em pouquinho, até que a próxima geração comece a repudiar esse ódio, esse sangue nos olhos que leva as pessoas para um caminho de radicalização”.

Em 15 de julho, Felipe Neto teve um vídeo publicado na página do jornal americano The New York Times em que faz duras críticas à conduta do presidente Jair Bolsonaro em relação ao combate à pandemia. Na gravação, ele diz que Bolsonaro é “o pior líder do mundo no combate à Covid-19”. Desde a publicação do vídeo, o número de notícias falsas relacionadas ao youtuber cresceram significativamente.

“A verdade não tem dono, mas a mentira deliberada tem. Esta, nós precisamos combater”, afirmou o ministro Barroso. “No enfrentamento das notícias fraudulentas, é preciso distinguir o pluralismo, que é perfeitamente legítimo, da mentira deliberada, da agressão e da violência”.

Para o magistrado, críticas fazem parte da vida pública. “O que é inaceitável é a orquestração de grupos financiados privadamente que se constituem em organizações criminosas para a destruição de pessoas e das instituições”, afirma. “A liberdade de opinião é intangível. Mas em um esforço concentrado para destruir a democracia, a democracia tem que reagir em legítima defesa”.

 

Os jovens e a política

O entendimento de ambos é que a ditadura militar trouxe um hiato que provocou o desinteresse dos jovens por política. “Ficou um vazio, em que a política ficou sendo algo de pessoas bem veteranas ou, no máximo, de pessoas que por uma sucessão hereditária acabavam se envolvendo com a política”, lembra Barroso. “Nós precisamos trazer jovens idealistas e patrióticos para a vida pública”, diz.

“O que aconteceu no Brasil é que os jovens idealistas não foram para a política, muitos foram para o Judiciário, para o Ministério Público, para a Polícia Federal. E aí querem mudar o mundo a partir de lá, com a judicialização”, destaca o ministro. “Embora a judicialização possa, um pouco [fazer a diferença], o que faz a diferença verdadeiramente para um país é política de qualidade, com gente íntegra e voltada para o país”.

Para Felipe Neto, o regime militar deixou inúmeras cicatrizes, sendo uma das principais justamente o desinteresse do jovem por política. Nascido em 1988, sua infância e adolescência foi nos anos imediatamente pós-ditadura. “Cresci com todo mundo ao meu redor analisando política como uma coisa chata”, enfatiza. “O jovem é rebelde, é disruptivo, ele quer mudar as coisas”, destaca. “Isso é uma coisa que o jovem precisa ter e precisa trazer para dentro do ambiente político, para dentro do debate, para dentro das discussões que o cercam”.

Na avaliação do influenciador digital, a disseminação da internet foi o ponto de inflexão no resgate do interesse do jovem por política. “O que era chato antes, porque a pauta política ficava sempre para pessoas que tinham se desconectado do ambiente jovem, passou a ser acessível para todos”, explica.

“O problema é: o que engaja? Esse é o debate da comunicação. O amor engaja muito menos do que o ódio, sempre foi assim. Qual foi o fenômeno que isso trouxe ao Brasil? Um fundamentalismo e uma radicalização que passaram a compor a mente dessa galera [os jovens]”, diz Felipe Neto.

Diante da polarização instalada no país, houve um crescimento dos agentes que pregam o acirramento dos discursos. “Enquanto progressistas e conservadores mais ponderados, com vontade de dialogar e de conversar, passaram a ficar escanteados, porque o diálogo engaja menos, você teve pessoas gritando, xingando, ganhando muito seguidores e promovendo esse ódio, essa raiva, essa inflamação”, diz Felipe Neto. “A consequência negativa foi essa radicalização fundamentalista que traz ódio junto com ela”, avalia. “Agora a gente começa a articular mais o debate, as ideias, e a mostrar que a solução não está nisso, a solução está no diálogo”.

“Dentro dos nossos estudos e de todo o mergulho que estamos fazendo para entender o que está acontecendo na internet brasileira, uma certeza que está muito clara é que esse ódio é articulado” explica Felipe Neto. “Mas ele depende da ignorância do povo, que vai se permitir ser comandado por esse ódio”.

Diante desta situação, o Tribunal Superior Eleitoral lançará em breve uma campanha na tentativa de coibir a disseminação de notícias falsas. “Estamos preparando uma grande campanha no TSE para que as pessoas verifiquem a autenticidade do que recebem, que não repassem automaticamente”, revela Barroso.

Mudança de postura

Em 2016, Felipe Neto foi favorável ao impeachment de Dilma Rousseff e em maio, ao ser entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura, fez um mea culpa. “Eu não tenho dúvida nenhuma que naquele momento, no momento do impeachment, que podemos chamar de golpe, a minha colaboração, embora nada comparável à força que tenho hoje nas redes sociais, sem dúvida ela existiu”, disse. “Sem dúvida ela [colaboração] foi utilizada de maneira errada, equivocada, por falta de estudo, por falta de profundidade, por falta de leitura”, complementou na entrevista de maio.

No webinar do JOTA, Neto defendeu que as pessoas, assim como ele, tenham a capacidade de mudar. “Hoje, o que as pessoas precisam ter em mente, é que não há vergonha em mudar de ideia, e achar que quem muda de opinião é hipócrita”, diz. “Hipocrisia não é mudar de opinião, hipocrisia é pregar uma coisa e fazer outra. Agora, quando você muda a sua opinião, você apenas passou por uma transformação”, explica. “Não há vergonha nisso. É importante que você entenda que pode mudar, pode pensar diferente”, destaca. “Eu sou uma prova viva disso, todo mundo sabe da quantidade de transformações que tive ao longo dos últimos 10 anos de vida exposta na internet e de quanto eu lutei para evoluir, para amadurecer para chegar até aqui”.

Webinars

A conversa faz parte da série de webinars diários que o JOTA está realizando, durante a pandemia da Covid-19, para discutir os efeitos na política, na economia e nas instituições.

Todos os dias, tomadores de decisão e especialistas são convidados a refletir sobre algum aspecto da crise.

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