No momento em que há um aumento no número de novas infecções por Covid-19 e o sistema de saúde lida com congestionamento nas buscas por diagnóstico, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) discutem a autorização do uso de autotestes para o novo coronavírus.
Para debater as questões envolvidas na liberação de autotestes, a CASA JOTA reuniu especialistas nesta quinta-feira (20/1) em webinar patrocinado pela Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).
Na semana passada, o Ministério enviou nota técnica à agência pedindo autorização para o uso destes testes na detecção do novo coronavírus. Em reunião extraordinária nesta quarta-feira (19/1), a Anvisa demandou mais informações da pasta sobre a organização da política pública. Há um prazo de 15 dias para que a diretoria da agência volte a decidir sobre o tema.
Esse trâmite está sendo feito porque atualmente não é possível ter autotestes para doenças que exigem notificação compulsória às autoridades de saúde, como a Covid-19, sem política pública específica, como determina a Resolução Anvisa 36/2015.
“É importante que esteja previsto como o paciente vai se portar após o autoteste, caso ele dê positivo, isto é, se deve se isolar, quando buscar o sistema de saúde, e como notificar. É isso que é esperado pela Anvisa. Acredito que em breve teremos uma decisão da diretoria colegiada de uma forma conclusiva”, afirmou Leandro Rodrigues Pereira, gerente geral de Tecnologia de Produtos para Saúde da Anvisa.
Após essa análise sobre a política pública a ser adotada pelo Ministério, para garantir que os casos sejam notificados, os registros serão concedidos individualmente. “Depois dessa autorização, as empresas enviam pedidos para a Anvisa. Há uma previsão de que os pedidos de autotestes sejam priorizados, como aconteceu com os testes rápidos no início da pandemia. Não será uma dificuldade tratar com celeridade todos os pedidos”, avaliou Pereira.
A agência enviou, em novembro, nota técnica ao Ministério explicando que, caso haja uma estratégia de ação em saúde pública, os autotestes poderiam ser registrados. Ela aponta precauções e fatores a considerar ao adotar o modelo para o novo coronavírus.
Na prática, o autoteste de Covid-19 funcionaria como os testes rápidos que usam tecnologia de antígeno. A principal diferença é que o autoteste é feito pelo próprio usuários e, por isso, precisa ter instruções adequadas para ser manuseado sem auxílio de profissionais de saúde.
“Os testes rápidos para Covid-19 são seguros. A indústria de diagnósticos avançou muito desde o início da pandemia. Com outras entidades, foi possível montarmos um programa de avaliação que mostrou que os testes aprovados têm uma boa performance”, afirmou Carlos Gouvêa, presidente executivo da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial.
“Os autotestes são usado em diferentes países. No Reino Unido, ele pode ser comprado em farmácias ou entregue pelo sistema de saúde. Distribuir de maneira democrática tem enorme ganho”, explicou.
Para a liberação de autotestes, uma das principais questões é como se dará a notificação dos casos positivos, já que ele poderia ser realizado fora do sistema de saúde e de farmácias. Evaldo Stanislau, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo e diretor da Sociedade Paulista de Infectologia, entende que essa dificuldade não pode impedir a adoção desse tipo de ferramenta.
O Brasil enfrenta, desde o início da pandemia, entraves para testagem em massa. “Evidentemente, sou favorável à notificação e à manutenção de dados epidemiológicos. Mas precisamos trabalhar com mais velocidade. Enquanto não temos o ótimo, não estamos fazendo o bom. Não fazemos nada. Assim como nos recuperamos [no atraso] na vacina, podemos nos recuperar em testagem”, disse Stanislau.
“O ideal seria ter um sistema de registro perfeito, mas no sistema de saúde já se lida com um volume de atendimentos de tal grandeza que não há profissionais suficientes para registrar. Com o apagão que temos no sistema do SUS, também não conseguimos notificar devidamente. Coibir os autotestes por conta da dificuldade de notificar é um tiro no pé. O primeiro passo é ter a informação”, completou.
Atualmente, o HIV, que também exige notificação ao sistema de saúde, tem uma política pública nesse sentido e autotestes registrados pela agência. Além disso, há uma estratégia de testagem rápida nas unidades de saúde.
“A população com a qual trabalhamos na epidemia de HIV tem dificuldade de acesso ao sistema de saúde, então nosso objetivo com testes rápidos é facilitar o diagnóstico”, explicou José Boullosa Alonso Neto, biólogo do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde. “Com uma única visita, a pessoa pode fazer até dois testes rápidos e ser inclusive encaminhada para início de terapia antirretroviral.”
Boullosa explicou que a escolha sobre quais testes serão usados deve partir da análise das condições da população alvo da política pública. “No Brasil, em se tratando de HIV, falamos de uma epidemia que atinge majoritariamente alguns grupos. É preciso pensar em quais lacunas suprir”, explicou. “Os testes rápidos são muito importantes para a população trans, em que há muita prevalência de HIV pelo contexto em que ela vive e por ter menos acesso ao sistema de saúde, por exemplo”.
A autorização para o uso de autotestes para HIV veio em 2015. O biólogo lembra que, naquele momento, foram feitas muitas críticas sobre se a política pública seria adequada, mas ela obteve sucesso em atingir mais pessoas.
“Nenhum teste é 100% preciso, então preciso ter um teste certo no momento certo para determinadas populações. Para a população principal de HIV, o autoteste é frequentemente o teste certo. É preciso dar para as pessoas as informações e condições para saber como agir em seguida. Ele garante autonomia para o paciente”, disse.