Interpretação de precedentes

Embate no Carf gera questionamentos sobre súmulas. Como conselheiros devem agir?

Caso sobre uso da Súmula 11 teve ameaça de representação à comissão de ética; e volta a ser julgado nesta semana

sessões virtuais, carf
Foto: André Corrêa/Agência Senado

Está previsto para ser julgado nesta quinta-feira (29/4) um caso que gerou embates no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e tem o potencial de gerar representação de conselheiros na comissão de ética pela falta de adesão a uma súmula do tribunal. O caso foi analisado na 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção do Carf em março, quando o presidente do colegiado, Lázaro Soares, afirmou que faria representação caso os votos divergissem do conteúdo da súmula.

Na ocasião, houve a discussão sobre a aplicação da Súmula 11 do Carf, que versa sobre a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal; como o julgamento era sobre matéria aduaneira, parte dos conselheiros entendeu que a súmula não deveria ser aplicada. A partir desse caso, surgiram debates e questionamentos sobre qual deve ser a postura dos conselheiros em situações semelhantes.

A Casa Jota recebeu, nesta quarta-feira (28/4), especialistas para debater as prerrogativas do Carf na aplicação de súmulas e a possibilidade de distinguishing  (isto é, quando o conselheiro faz uma distinção de que, no caso concreto, não está presente o pressuposto para aplicação de um precedente).

A principal divergência sobre o tema é sobre até que ponto cabe ao conselheiro interpretar a súmula e quais as fronteiras para essa atuação. “A súmula é importante para gerar previsibilidade e segurança jurídica para o contribuinte, mas ela não pode ser absoluta sem a devida análise do caso concreto. Os conselheiros têm a possibilidade de fazer o distinguishing e olhar os casos concretos para entender se a súmula se aplica”, afirmou Vivian Casanova, sócia da área de Direito Tributário do BMA Advogados.

Para Fabrício Sarmanho, procurador da Fazenda e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), seria preciso haver uma conceituação clara sobre o uso do distinguishing, para que ele não seja, na verdade, aplicado para fazer “uma revisão da súmula de maneira transversal” pelo conselheiro. Diferentemente do distinguishing, quando há discordância com a súmula e se propõe superação ou revisão do enunciado, se trata de overruling.

“Precisamos de guia sobre quando há distinguishing e quando há overruling. Um exemplo é o que acontece no STF. No Supremo, as súmulas vinculantes não vinculam o STF, mas os demais órgãos; no caso do Carf é diferente, ele é a própria administração pública. O Carf não ganhou direito de fazer overruling. A administração pública precisa, primeiro, alterar a súmula, anunciar e depois aplicar. A súmula, no caso do Carf, quando é vinculante, é norma”, afirmou Sarmanho.

Nesse ponto, Caio Cesar Nader Quintella, vice-presidente da 1ª Seção do Carf e mestre em Direito Tributário, contesta que a súmula funcione como norma. “A súmula é só um sistema de facilitação e de previsão. O distinguishing não é uma forma de interpretação, mas de lealdade ao órgão que exarou a decisão. Há previsão regimental de que o conselheiro observe a súmula; mas ele pode aplicar ou não, de acordo com o caso”, disse Quintella. Além disso, entende que, assim como o Judiciário, o Carf tem liberdade de interpretação sobre os textos.

Reforma de súmulas

A revisão e superação de súmulas do Carf é possível, sob análise da presidência. Uma das problemáticas das súmulas é, na visão de Casanova, do BMA Advogados, que ela reflita um posicionamento convergente momentâneo de parte dos conselheiros. “Temos uma rotatividade grande dos conselheiros, então o que vemos é que isso pode levar a formação de precedentes capazes de criar súmula, mas que não reflete posições procedentes e a partir da análise de legislação com profundidade”, apontou. Para formar súmula, são necessárias ao menos cinco decisões de turmas distintas com o mesmo entendimento.

A eventual representação dos conselheiros à comissão de ética do Carf pode resultar em perda de mandato. A comissão é formada por auditores da Receita Federal escolhidos pela presidência do tribunal. As deliberações são feitas por votos da maioria de seus membros, desde que esteja presente a totalidade de seus componentes. O JOTA apurou que, mesmo com a possibilidade do processo, os conselheiros dos contribuintes devem manter os votos.

A possibilidade de haver um rito normativo sobre esses casos foi descartada pelos especialistas ouvidos na Casa Jota. “Não existe possibilidade de fazer pré-determinação e antecipar uma análise de conflito. A ponderação precisa partir de um caso concreto”, afirmou Sarmanho, da Fazenda. “Se o conselheiro entender que certa súmula não se aplica para o caso concreto, não deveria ter como consequência a perda do mandato se ele está justificando a motivação”, defendeu Casanova.

“Não há violação quando há distinguishing, e nem overruling, e sim quando o caso atende à súmula mas o conselheiro decide não aplicar. Ainda que se julgue improcedente a aplicação, não quer dizer que haja violação e que caberia afastar conselheiros”, avaliou Quintella.