Exame de Ordem em Números

A logística de guerra para a aplicação da prova da OAB

Entre as medidas para evitar vazamentos, estão a vistoria de funcionários, impressão unificada e monitoramento por GPS

estágio
Crédito: Raphael Alves / TJAM

Em 2020, completam-se dez anos que as provas do Exame de Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) são realizadas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). São três edições da prova da OAB a cada ano, com duas fases cada, realizadas simultaneamente em 168 locais de aplicação pelo país. Para possibilitar a aplicação desse exame de forma segura e unificada foi preciso desenhar uma operação que inclui malotes com GPS e acesso de pouquíssimas pessoas à prova.

O coordenador de segurança e logística de Exames, Concurso, Avaliações e Certificações da FGV, Leandro Daiello, que já foi diretor geral da Polícia Federal, contou ao JOTA como funciona a “logística de guerra” para evitar vazamentos ou qualquer tipo de fraude nas provas. De 2010 até 2019, foram realizados 28 edições da prova da OAB, com um total de 3.555.972 inscrições. O estudo Exame de Ordem em Números, realizado pela FGV em parceria com a OAB, traz inúmeros dados sobre os dez anos da prova.

Tudo começa com a produção da prova: são necessários dois meses entre a elaboração das questões até a distribuição das provas. “A FGV já produziu cerca de dez mil questões objetivas para a primeira fase e quatro mil questões discursivas para a segunda fase. O banco de questões é, sempre, cinco vezes o tamanho do quantitativo de questões da primeira e da segunda fases”, explica Daiello.

A elaboração das provas é conjunta entre o Conselho Federal da OAB e FGV. Primeiro, a FGV apresenta o banco de questões revisado aos membros da Banca Examinadora indicada pelo CFOAB, que o avalia criticamente, disciplina a disciplina, em relação às duas fases do exame. Depois, as questões passam por revisões finais internas. Nessas avaliações, busca-se eliminar as possibilidades de dupla interpretação de questões e eventuais ruídos que poderiam provocar anulações.

A cada edição, o Conselho Federal da OAB indica advogados de diferentes seccionais, com notório conhecimento nas suas áreas de atuação, para compor a banca de análise das questões apresentadas pela FGV.

A preocupação com possíveis vazamentos está presente em todo o processo, por isso, apenas quatro pessoas têm acesso à íntegra da prova. “Apesar de existirem inúmeras pessoas envolvidas no processo todo, cada uma participa, apenas, de partes do processo, sem conhecer o conteúdo em sua íntegra. A banca acadêmica seleciona as questões que compõe a prova e realiza a revisão por matéria, não tendo acesso ao seu conteúdo completo”, explica Daiello.

Elaborada a prova, é a hora da impressão. A prova é impressa e montada por partes, com capa, sem visualização do conteúdo. Todas as provas do país são impressas no mesmo lugar, na gráfica da FGV, e distribuída para todas as 168 cidades-polo de prova, nos 26 estados da Federação e no Distrito Federal.

“As provas são impressas em ambiente de alta segurança, monitorado por circuito de câmeras filmadoras com gravação ininterrupta, com acessos vistoriados por segurança 24 horas por dia, detectores de metais e revistas na entrada e saída dessas áreas”, conta o coordenador de segurança e logística. “Nesse ambiente, além do monitoramento por câmera, os funcionários trabalham com macacão branco sem bolso, e são vistoriados na entrada e na saída do ambiente de impressão, sendo sua entrada apenas permitida com a confirmação digital. O empacotamento das provas ocorre no mesmo local da impressão, e, por isso, também é filmado por câmeras, e vigiado com a presença de seguranças no local”.

Depois de impressas, as provas são envelopadas em sacos plásticos opacos, já separadas, com o número exato de examinandos por sala, selados e identificados por sala de aplicação. Esses envelopes são colocados em malotes de lona com lacres de aço numerado. Isso tudo ocorre na véspera da aplicação do Exame de Ordem, a fim de evitar o armazenamento das provas por muito tempo.

Após a impressão e lacre das provas, é hora do transporte. Como a prova é impressa em um só local, e tem de chegar a todas as localidades a tempo, o meio de transporte varia, podendo ser avião ou por automóvel. As provas são transportadas aos locais de aplicação dentro de malotes lacrados e invioláveis, monitorados por GPS e com acompanhamento de dois coordenadores itinerantes da FGV, responsáveis pela aplicação em um determinado grupo de locais.

Quando as provas chegam aos locais de aplicação, os malotes lacrados e com cadeados ficam sob a responsabilidade dos Coordenadores de Local, que garantem a vigilância durante o período que antecede a realização do Exame de Ordem Unificado.

Os malotes são abertos no local da prova, poucos minutos antes do início da aplicação, sob o acompanhamento de dois examinandos escolhidos aleatoriamente. O número dos lacres é conferido pelos candidatos, que verificam se bate com a numeração descrita na Ata de Coordenação, retirada de dentro dos malotes no momento de sua abertura. Depois disso, a ata é assinada por todos os envolvidos, atestando a inviolabilidade das provas.

Na hora da aplicação prova, os candidatos devem desligar os objetos eletrônicos e guardar em sacos opacos. Todo o material é vistoriado pelos fiscais durante o período de prova, podendo, ainda, haver inspeções aleatórias com detectores de metal. Da mesma forma, na entrada e na saída dos banheiros, todas as pessoas que fazem a prova passam por detecção de metal. “Quando há suspeita de examinandos tentando colar no Exame, uma equipe de segurança é deslocada para acompanhamento in loco, com equipamento de rastreamento de ponto eletrônico e ondas de radiofrequência”, diz Daiello.

Isso garante, de acordo com a FGV, que nunca tenha tido um vazamento sequer do exame durante a gestão da instituição no Exame da OAB. Outras medidas para evitar que alguém tenha acesso antecipado às provas são a investigação da equipe envolvida, que tem seu histórico levantado, e a assinatura de termos de confidencialidade (banca acadêmica) e de sigilo (administrativo, acadêmico, logística).

Daiello conta que a FGV está implementando ainda um sistema de biometria facial para o dia da aplicação do Exame de Ordem. “Cada examinando passará pelo reconhecimento facial na entrada da sala de aula, que compara a imagem coletada na primeira fase com a imagem da segunda fase. A tecnologia permitirá confrontar, ainda, os dados informados pelo examinando no ato da inscrição com as bases de segurança públicas, evitando tentativas de cola por parte dos examinandos”, explica.

Após a realização do exame, as provas são lacradas, colocadas novamente em malotes e transportadas com a mesma segurança usada na etapa de distribuição. É chegada a hora, então, da etapa da correção. São corrigidas a cada edição do exame, em média, 200 mil questões corrigidas, e 50 mil peças. O tempo de correção é de 12 dias. Conforme as provas são recebidas na gráfica, são digitalizadas e desidentificadas para correção.

Para a segunda fase, em que a prova é dissertativa, tudo começa com a apresentação do plano de correção sugerido pela Banca Examinadora da FGV, numa reunião realizada após a aplicação da prova prático-profissional.

“Nessa reunião, os professores indicados pela OAB, em conjunto com os Coordenadores da Banca da FGV e os corretores, discutem o plano de correção sugerido pela Banca e determinam o espelho de correção. Somente depois de uma extensa discussão sobre as questões é que a versão final do gabarito é definida”, conta o coordenador. “Todos os membros da banca de correção da segunda fase, obrigatoriamente, participam da reunião de definição do gabarito para que possam corrigir. Durante a reunião, é feita uma correção amostral, para que, assim, o gabarito seja afinado e todos estejam alinhados aos critérios de correção. Todos os corretores são formados em Direito, atuam na área acadêmica, na advocacia privada, na advocacia pública, na magistratura, e possuem uma larga experiência profissional”.

Os corretores têm acesso a um sistema, em que cada um acessa por meio de login e senha individuais, no qual é inserido o espelho de correção. No processo de correção, o corretor somente pode atribuir a pontuação que está preestabelecida no sistema. Cada área jurídica possui um coordenador responsável pela avaliação amostral, que verifica, durante o período de correção, se os critérios adotados pelo corretor estão de acordo com os definidos na reunião da banca recursal para, dessa maneira, evitar possíveis erros no processo. “Por fim, cada prova prático-profissional é corrigida, cuidadosamente, seguindo-se, com rigor, o gabarito estabelecido”, aponta Daiello.

O resultado então é divulgado no site da FGV, e os candidatos têm acesso ao espelho da prova para que cada um possa acessar o seu resultado e visualizar sua pontuação. Caso o examinando discorde da correção de sua prova, pode interpor recurso que passa por reavaliação da banca FGV.