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FGV estuda desenvolver Exame de Ordem digital para evitar aglomerações e custos

Presidente da OAB afirmou que segunda fase da prova marcada para maio pode ser adiada em razão da pandemia

marco civil da internet
Presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

Durante o webinar do JOTA em que foi lançado o estudo Exame de Ordem em Números, nesta terça-feira (14/4) o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, sinalizou que a segunda fase do 31º Exame de Ordem pode ser novamente adiada. Além dele, também participou do evento o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marco Aurélio Bellizze.

“Nós não temos outro encaminhamento que não seja o isolamento, esse terrível isolamento, com impacto econômico, com impacto de vida terrível. Somos todos iguais diante desse drama”, afirmou Santa Cruz. “A ordem é priorizar a vida, já adiamos a prova para o final de maio. É uma prova nacional, que se organiza em mais de 160 municípios, então com antecedência nós vamos avisar. Na medida em que for prorrogado o isolamento, a prova também será”, afirmou.

Bellizze, que é coordenador acadêmico do Exame de Ordem, contou ainda que há planos para possibilitar a realização do exame de maneira digital. “Já estávamos idealizando um projeto piloto, como tem na Bar Association [EUA], em que as provas são feitas pelo tablet numa determinada sala para controlar a presença e se quem vai fazer a prova é o próprio candidato. Já vínhamos pensando, e essa situação de hoje de isolamento, de pandemia, nos deu a certeza que o caminho para o exame também é digital, para evitar aglomerações e custos”, disse.

Ele disse que ainda é um um projeto piloto, mas disse que a ideia deve ser aprimorada e colocada em prática em breve. “É uma ideia que ainda tem muito para caminhar, mas acho que temos que levar esse projeto adiante. Uma certificação, um banco gigantesco de questões com escolhas randômicas, ou provas para cada exame específico, temos que pensar num formato. Mas penso que a solução tecnológica e digital é uma necessidade”, falou.

Apesar da promessa de inovação, o ensino à distância (EAD) do Direito se for 100% digital não é visto com bons olhos por Santa Cruz. “Para ser feito e efetivado com sucesso, é preciso haver a discussão das grades, do acompanhamento também presencial. A meu ver o curso não pode ser só online”, disse o presidente da OAB.

Ele destacou que o país tem um grande número de faculdades de Direito, mas a maioria não alcança índices satisfatórios de qualidade. Em sua visão, autorizar o ensino à distância sem o devido planejamento pode agravar ainda mais essa situação. “O que eu não vejo hoje é uma capacidade de articulação intelectual. O grande drama do momento é que há pessoas com pouca formação ocupando cargos estratégicos, pessoas sem capacidade técnica de execução, e eu não vejo essa capacidade no atual Ministério da Educação”, afirmou.

“Não é que não possamos ter ensino a distância, o ensino a distância deve vir como um elemento que fortaleça o ensino. Mas neste quadro de desordem, de falta de planejamento, inserir ainda a graduação a distância, o que nós vamos ter é a perpetuação desse estelionato. Quem está pagando essa conta é o estudante da universidade privada, essas universidades mais novas, que na sua grande maioria não possuem qualidade, não possuem o selo de qualidade da OAB. A aprovação [no exame de Ordem] é massivamente de faculdades públicas e das católicas que já são tradicionalmente formadoras de advogados”, disse Santa Cruz.

Na visão do presidente da OAB, houve uma “soma de erros” na ampliação descontrolada de cursos de Direito pelo país, o no início foi positivo. “O começo não foi negativo. Eu não sou daqueles que tem uma visão idealista do Direito, dizendo ‘feliz era o nosso modelo quando tínhamos a Faculdade Nacional do Rio de Janeiro e só’, ou quando éramos todos estudantes de Coimbra. Não é esse o modelo de um país democrático, que cria oportunidades. As carreiras jurídicas têm um leque que atraiu muita gente nos anos 1990 e 2000, e houve uma ampliação, inicialmente correta, do número de vagas, mas essa ampliação não foi feita com a necessária responsabilidade técnica, com a reflexão do planejamento do mercado, com as alterações do mercado”, ponderou.

Santa Cruz ressaltou que a culpa não é do ministro da Educação atual, Abraham Weintraub, já que o movimento vem ocorrendo há anos. Disse, porém, que Weintraub “ é muito limitado, uma pessoa que realmente não disse a que veio, como vários outros neste atual governo”.

Bellizze também falou da baixa qualidade do ensino, que acaba sendo comprovada nos resultados de Exame de Ordem: a taxa de aprovação entre as instituições públicas é muito maior que das privadas. “É evidente e claro dos números que a universidade pública tem o índice bem superior de aprovação. O problema não é do Exame, o problema é do ensino jurídico, e é disso que temos que tratar. Reconhecendo que o exame é uma fotografia desse momento, mas são anos e anos de políticas públicas de educação que estão sendo fotografadas pelo exame, mas são problemas que não se atenuam de uma hora para outra. Então é preciso lentamente ir reorganizando o sistema, e a melhoria do ensino vai permitir uma melhoria dos candidatos”, disse.

O estudo Exame de Ordem em Números mostra que em 2019, os candidatos de instituições privadas representaram 94% dos inscritos, enquanto só 6% vieram da rede pública. No entanto, entre a 27ª edição e a 29ª edição do exame, no universo de aprovados, 13% são oriundos de instituições públicas, enquanto 87% vêm das particulares. Isso significa que candidatos que cursaram instituições públicas são proporcionalmente mais aprovados.

Exame de Ordem

Durante o webinar, Bellizze e Santa Cruz também conversaram sobre o papel dos cursos preparatórios para a prova da OAB. Na visão do ministro do STJ, as universidades não estão, em sua maioria, preparando os estudantes de Direito para o Exame de Ordem, papel que acaba sendo delegado aos cursinhos preparatórios.

“Não é um concurso público, não se exige de um aluno que acabou de sair da faculdade um conhecimento profundo, é um exame de certificação mínima, é uma régua no mercado, e os números mostram que 3,5 milhões foram aplicadas em 1.100 milhão CPFs, quer dizer que a média é que cada candidato demore três concursos para ser aprovado”, disse Bellizze. “Então o estudante sai da faculdade despreparado, e se qualifica nos cursinhos, depois de formado, vai estudar. Isso não é o ideal, o ideal é que a faculdade preparasse o aluno para passar no exame. É uma régua mínima, é uma certificação mínima, e por isso 60% dos candidatos têm logrado a aprovação [nos últimos dez anos]”.

Para Bellizze,  o exame não é perfeito, mas “é o exame possível” no atual sistema de ensino. “Nós não podemos adaptar esse exame de qualificação ao candidato, é o candidato que tem que se qualificar para atender a exigência mínima que é traçada pela Ordem dos Advogados do Brasil. Eu penso que esse número de 60% tem a qualificação adequada para assegurar os direitos dos cidadãos, e buscaremos soluções para melhorar o exame, mas o exame não pode fazer de trás para frente o que o ensino jurídico não proporcionou ao aluno”, ponderou.

Na visão de Santa Cruz, o mercado de cursinhos é efeito da baixa qualidade de muitas universidades. “É natural que se crie essa dinâmica de um mercado próprio, eu não acho ela ilegítima, desde que legal dentro dos desafios da prova. E não há como impedir o ser humano que tem sonhos, que quer passar na prova, que busca a concepção de seus desejos de vida, que passe a se dedicar a um estudo focado na prova”, disse Santa Cruz, que afirmou nunca ter ido a uma cerimônia de entrega de carteiras da OAB em que algum familiar de um novo advogado não tenha chorado de emoção.