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Doutor ao quadrado: advogado e médico

Às segundas, quartas e sextas, José Geraldo Romanello Bueno trabalha no escritório. Às terças e quintas, no consultório

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O médico e advogado José Geraldo Romanello Bueno / Crédito: Arquivo Pessoal

A clássica pergunta “o que você quer ser quando crescer?” tinha uma resposta padrão quando menino: médico como o pai, Geraldo. “Mas eu também admirava muito o meu tio José Romanello Neto, advogado civilista formado pelo Largo São Francisco”, conta o hoje médico e advogado José Geraldo Romanello Bueno que tem o nome — e as profissões — do pai e do tio.

Aos 62 anos, hoje ele se recorda de qual foi o maior desafio: achar um elo entre a Medicina e o Direito. “Eu me encontrei no Biodireito. Este bracinho do Direito Civil é o link entre as duas ciências. As questões como aborto, transfusão de sangue de testemunhas de Jeová, transplante de órgãos. Eu realmente fundi o Direito com a Medicina”, explica.

As duas carreiras não foram construídas de forma automática. Primeiro, Romanello, como é conhecido, se formou em Medicina na Universidade Estadual de Campinas em 1983.

Ali, decidiu-se pela obstetrícia e ginecologia e seguiu também na academia como mestrando, onde concluiu em 1989 e o doutorado em 1992. Já o pós-doutorado foi concluído em 1994.

Nesta época, como professor de Medicina, viu que muitos de seus alunos da residência médica estavam sendo processados. “Como docente, não entendia nada de Direito. Vinte anos depois que tinha prestado vestibular, decidi encarar os estudos novamente”, diz.

Ele e outros quatro colegas médicos passaram na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. “Ficamos todos em uma sala, parecia um zoológico, as pessoas iam para ver aquele grupo de médicos estudando Direito”, lembra rindo.

Aos 42 anos, o calouro do curso tomou gosto pelos estudos e se formou em 1998 “sem repetir, sem pegar dependência”. “Dos meus colegas médicos que se formaram, o único que prestou a OAB fui eu”.

Não aprendeu quase nada de Direito do Trabalho. Seu primeiro encanto foi com Direito Penal. No quarto ano, Romanello começou a fazer um estágio na Procuradoria do Estado, que naquela época era o órgão responsável por atender aos presos sem advogados.

“Como todo aluno de Direito, Penal era minha paixão. Acabei ficando na segunda vara criminal de Campinas pois fiz os três partos da mulher do juiz. Mas, após um ano, o pai de um preso puxou uma arma para mim dizendo que o filho estava preso por negligência dos procuradores. Ali desisti de Penal”.

Segunda, quarta e sexta: advogado. Terça e quinta, médico.

“Sou capa branca e capa preta”, brinca. Toda segunda, quarta e sexta, Romanello trabalha como advogado em seu escritório em Campinas. Já às terças e quintas atende como médico em seu consultório em Mogi Mirim. “A distância de 45 quilômetros é para não confundir as minhas pacientes”, diz.

Apesar de dividir bem os ofícios, Romanello acaba sendo requisitado a usar seus conhecimentos da outra área quando necessário. “Já salvei vidas no fórum. Passou mal estou ali para atender. Acho que as pessoas sabendo disso até já contam comigo”, afirma.

No consultório, a história se repete: “uma das minhas pacientes estava bem de saúde, mas preocupada por demais. Ela contou que o marido jogava e pensei logo que o caso era de interditar. Mas antes que você pergunte, eu não receitei nada mas sugeri que ela procurasse um bom advogado”.

Tanto os colegas médicos buscam os conselhos jurídicos de Romanello como os do Direito fazem toda sorte de pergunta de saúde. “Quero fazer uma dieta, sou hipertenso, qual o melhor seguro? As dúvidas são frequentes dos dois lados”, afirma.

Por ser ginecologista, suas colegas advogadas também o procuram para orientação — ele é especialista em reprodução humana. Desde 2001, sua banca atende casos de Direito Médico e Civil tanto para os doutores como para pacientes. “Faço muito ações indenizatórias de erros médicos. E, como atuo nas duas áreas, consigo entender se a perícia está adequada”, diz.

Romanello ainda exerce uma terceira profissão: além de médico e advogado, é professor de Biodireito e Direito Civil na Universidade Presbiteriana Mackenzie em Campinas. Neste ano, conclui seu doutorado em Direito no Largo São Francisco (USP).

Com tantas atribuições, muita gente o questiona se há uma atividade favorita. “As minhas duas profissões ficaram uma só. Tenho que ser os dois. Não teria como escolher nenhuma das duas, sou meio médico e meio advogado. Inteiro sou professor. Estou lá para educar”.

Nesta jornada tripla, garante ele que as satisfações de um trabalho exitoso são semelhantes. “É uma alegria muito grande quando uma mulher consegue gerar um filho, do mesmo modo que quando uma pessoa consegue ter seu direito garantido. Médico salva vidas. Advogado salva patrimônio.”