

A juíza Paula Fernanda de Souza Vasconcelos Navarro, da 9ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, julgou procedente uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) e determinou que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP) deve cumprir a Lei do Estágio e dar férias proporcionais aos estagiários com contratos com duração inferior a um ano. Além disso, a Defensoria deverá passar a reduzir a carga horária de todos os seus estagiários de Direito, pelo menos à metade, nos dias em que houver avaliação periódica da instituição de ensino em que estudam.
A ação civil pública foi movida pelo promotor de Justiça Ricardo Manuel Castro e motivada por uma denúncia anônima feita por um estagiário da Defensoria paulista em Franca. Ao deixar um estágio com contrato de duração inferior a um ano, o estudante de Direito teve negado um pedido para que lhe fosse pago o valor de suas férias proporcionais aos dias trabalhados.
Isto porque, na visão da instituição, aplica-se a estagiários de Direito a Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual nº 988/2006), que não prevê tal situação, e não a Lei Federal nº 11.788/2008, que trata da atividade de estágio.
Mas, para a magistrada que julgou o caso, “observa-se claramente a supressão de direitos conferidos a todos os estagiários brasileiros, na medida em que a todos é deferido o direito ao recesso remunerado, inclusive proporcional, além da garantia de afastamento parcial para realização das avaliações”. Leia a íntegra da decisão.
Ela entende que não é possível admitir “que a Lei Estadual nº 988/2006, ao regular matéria reservada à União no que tange à competência privativa de legislar acerca das diretrizes e bases da educação nacional, suprima direitos por ela garantidos”.
A juíza afirma que a lei estadual dispõe de forma equivocada sobre “férias”, em vez de chamar de recesso, “sendo que suprime o direito ao valor proporcional, limitando o direito garantido na legislação federal sobre o mesmo tema”.
O direito ao recesso, afirma a julgadora, “é irrenunciável e indisponível, sendo inválida a disposição do artigo 82, inciso I, da Lei Complementar nº 988/06 que limita esse direito, deixando de tratar do período proporcional”.
Para ela, não há especialidade da Lei Orgânica da Defensoria Pública de São Paulo em relação à Lei Federal do estágio, como a Defensoria afirmava em sua defesa. “O que há na espécie são dois regramentos jurídicos diversos sobre o mesmo tema “Estágio”, devendo prevalecer a lei Federal, considerando trata-se de matéria privativa da União que tem o dever de legislar sobre a matéria”.
Além disso, de acordo com a sentença, a Defensoria deverá reduzir a carga horária de todos os seus estagiários de direito, pelo menos à metade, nos dias em que houver avaliação periódica da instituição de ensino e ele vinculada, independentemente de prévio aviso ou autorização do Defensor Público ao estagiário coordenador do estágio.
A lei federal, no intuito de proteger o estudante e garantir um melhor desempenho no ensino, garantiu a jornada pela metade ao estagiário no dias das provas. Já a lei estadual, entende a juíza, limitou esse direito a apenas 10 dias por ano, desde que haja prévia autorização do Defensor Público a que o estagiário estiver subordinado, além de exigir a antecedência mínima de 10 dias.
“Evidente, ao meu ver, a limitação de direitos trazida pela Lei estadual não pode ser
acolhida, eis que indevida, pelos mesmos fundamentos”, escreve a magistrada.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo se manifestou por meio da seguinte nota:
“Atualmente, existe uma controvérsia jurídica a respeito de qual legislação aplicar para estagiários de Direito no âmbito da Defensoria Pública de SP – se a legislação federal geral ou a legislação estadual decorrente de sua Lei Orgânica.
O próprio Ministério Público de SP defendeu perante o STF a não aplicação da referida Lei Federal 11.788 àquela instituição, em função de diversos princípios, como regime jurídico próprio da instituição, prevalência da legislação estadual específica e distinção entre estágio acadêmico e profissionalizante (MS 30.687, ação julgada extinta sem julgamento de mérito em novembro de 2020).
Todos esses aspectos foram considerados pela Defensoria Pública de SP em sua análise jurídica sobre a questão, cujo entendimento atual é o de que deve prevalecer a legislação estadual decorrente de sua Lei Orgânica (Lei Estadual nº 988/06) que prevê, entre outros aspectos: 30 dias de férias adquiridos após período aquisitivo de um ano, direito a 10 dias de licença-prova por ano, além de direito a 10 faltas não justificadas e a 20 faltas justificadas.
Em síntese, a Defensoria firmou até o momento o entendimento de que sua regulação específica para seus estagiários, por meio de lei estadual, não ofende a competência da União para legislar sobre direito do trabalho.
As divergências relevantes com relação à lei federal são pontuais: a) a possibilidade de férias proporcionais, prevista na lei federal; b) diminuição de carga horária pela metade em dias de prova, ao contrário de período fixo de 10 dias de licença-prova ao ano que a Defensoria aplica.
A sentença proferida será analisada e ainda cabe recurso pela Fazenda do Estado”.
A ação tramita com o número 1064201-92.2018.8.26.0053.