Thomaz Pereira
Professor de Direito Constitucional

Em dezembro, o Supremo decidiu o rito do impeachment – e entrou de férias. No primeiro dia do novo ano judicial, Eduardo Cunha recorreu. Assim, 2016 começa no Supremo como 2015 terminou: em torno do impeachment.
Os embargos de declaração – único recurso cabível contra essa decisão – servem para esclarecer obscuridade, eliminar contradição e suprir omissão no acórdão. Nos embargos, Cunha aponta para o que acredita serem graves vícios na decisão, e parece acreditar inclusive que, por conta deles, poderá reverter o julgamento. E de tão inconformado, entrou com o recurso antes mesmo da publicação do acórdão.
Mas cabem embargos contra uma decisão ainda não publicada? Ou seja, contra um acórdão que, oficialmente, ainda não existe?
Esse foi um dos temas debatidos quando da visita de Eduardo Cunha ao Supremo, durante o recesso, para pedir celeridade na publicação do acórdão e apresentar dúvidas quanto à decisão. Na ocasião, o ministro Lewandowski disse que “entrar com embargos antes do acórdão não está pacificado. Pode ser considerado intempestivo. Mas os senhores fiquem à vontade, estamos aqui para analisar”. Na dúvida, Cunha decidiu recorrer. Cabe agora ao Supremo analisar.
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Até pouco tempo atrás, havia resposta simples na jurisprudência: não cabem embargos antes de publicado o acórdão. Mas, em março de 2015 o Supremo julgou caso similar em que aceitou embargos protocolados antes do prazo. A decisão, liderada pelo ministro Fux, foi unânime. Mas a unanimidade esconde divergências internas. O caso não era exatamente o mesmo, pois se tratava de embargos de divergência. E, mesmo naquele julgamento, Lewandowski (que já avisou não considerar a questão pacífica) já chamava atenção para os potenciais problemas de se admitir, como regra, recurso contra decisão cujo teor final ainda não é conhecido. Também o ministro Marco Aurélio mencionou esse tipo de preocupação ao julgar o caso anterior, e agora já se manifestou na imprensa contra os embargos de Cunha, entendendo “que não cabe recurso se não há um objeto”.
Afinal, como acusar de obscuridade, omissão ou contradição sem ter tido acesso ao seu texto final? Isso não encorajaria o uso de embargos de declaração, por exemplo, só para atrasar ainda mais o resultado do processo?
Contudo, nada disso realmente importa para Cunha.
Em primeiro lugar, Cunha não está realmente inconformado com obscuridades, omissões ou contradições da decisão. Está inconformado com seu resultado. Não há formulação possível que o ministro Barroso possa dar ao acórdão que vá resolver tal frustração. Por isso, para Cunha, é perfeitamente possível recorrer sem saber exatamente quais são as palavras finais do acórdão.
E justamente aí reside um problema para as pretensões de Cunha. Embargos de Declaração não servem para insatisfação com o resultado. Sua função é restrita. E mesmo ministros que, em dezembro, discordaram da maioria quanto ao procedimento do impeachment, estão agora limitados em seus poderes. Não havendo obscuridades, omissões ou contradições, não há mais nada a ser decidido. O Supremo já decidiu.
Mas, para Cunha, os embargos não são apenas um recurso jurídico. São, antes de mais nada, a chance de criar um fato político. Mesmo perdendo no Supremo, ainda luta pelo respeito e liderança dos demais deputados, e pela opinião pública. Nesse sentido, os embargos agora apresentados, muito além de um recurso, são uma defesa pública de suas ações, e uma crítica aos ministros que votaram contra ele – especialmente Barroso. Têm assim, função análoga à das entrevistas e dos demais textos publicados em blogs e jornais desde o julgamento do Supremo. Seu público é muito mais amplo do que os onze ministros do tribunal, e os efeitos que Cunha espera obter vão muito além do direito.