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observatório do TIT

Operações de armazenagem com depósitos de terceiros

TIT destoa do entendimento judicial paulista com relação à (não) incidência do ICMS

ICMS
Crédito: Unsplash

No primeiro semestre de 2023, observamos que o TIT tem prosseguido com seus trabalhos com todo o ímpeto de praxe; somente no último mês (junho) foram publicados mais de 170 acórdãos, merecendo destaque a decisão proferida no Auto de Infração 4.005.687-9, que abordou, ainda que de forma superficial no que tange ao mérito, um tema com jurisprudência dissonante entre o tribunal administrativo e o tribunal judicial. 

A matéria tratada é relativa às saídas (com posterior retorno) de mercadorias para armazenagem em depósitos de terceiros, sem o registro e o CNAE específico de armazém geral. Neste artigo publicado no JOTA em 27/6/2019, de autoria de Tatiana A. Mora Xaxier e Vanderlei de Souza Junior, verificou-se haver uma “tendência seguida pelo Tribunal de Impostos e Taxas de exigir de que a pessoa jurídica que exerça atividade de armazém geral o faça de maneira exclusiva, sem a possibilidade de que tenha, ainda que apenas formalmente, outro objeto social, em especial atividade relativa à atividade comercial (muito embora a legislação não imponha tal condição expressamente), como também que o contribuinte comprove que cumpre além dos requisitos exigidos para a atividade de armazenamento, também aqueles estipulados pelo órgão regulador responsável pela atividade que exerce, se for o caso”. 

Muitos contribuintes acabam remetendo mercadorias regularmente para armazenagem em depósitos de terceiros, amparadas pela não incidência do ICMS, sob a rubrica do quanto disposto no artigo 4º, inc. I a III, da Lei 6.734/89 (art. 7º, inc. I a III, do RICMS/SP)[1]. 

Ocorre que, ao vislumbrar tais operações envolvendo depósitos de terceiros sem que a empresa depositária esteja devidamente inscrita perante os órgãos reguladores e, principalmente, sem o CNAE 5211-7/01: “Armazéns Gerais – emissão de warrants”, o fisco paulista autua os contribuintes em decorrência do não pagamento do imposto consideradas por ele, sem amparo legal, como não tributadas.  

Entende assim a fiscalização paulista (assim como o TIT, conforme veremos adiante), que os referidos depósitos — armazéns de fato, atuam somente na condição de depositários de mercadorias de terceiros, condição essa que não daria ao remetente contribuinte o direito de realizar as operações de saídas com o benefício da não incidência do imposto. 

Diante desse cenário, o cerne da discussão seria identificar se o cadastro do destinatário com o CNAE incorreto é capaz de descaracterizar por completo a “operação de remessa e retorno de armazenagem” e de justificar a cobrança integral de tributo sobre a operação, afastando a hipótese prevista no artigo 4º, inciso I, da Lei 6.734/89. 

As autuações sobre referidas operações, conforme observamos, são mantidas pelo TIT e derrubadas na esfera judicial. 

O acórdão mencionado linhas acima foi disponibilizado no dia 30/06/2023 e restou assim ementado:  

“ICMS. (itens 5 e 6) Deixou de pagar o ICMS devido, na qualidade de substituto tributário, por se tratar de mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária, com destino a estabelecimento localizado em território paulista; utilizou-se do CFOP 5905 (Remessa para depósito fechado ou armazém geral (Op. Internas) para saídas de mercadorias para contribuintes paulistas que não eram armazém geral nas datas das operações. Incidência da regra infracional do art. 527, I, “l” do RICMS/00 para aplicação da multa. Multa aplicada de acordo com a legislação. Precedentes. RECURSO ESPECIAL DO CONTRIBUINTE CONHECIDO E DESPROVIDO” (TIT – AIIM nº 4005687-9).

Em pesquisa de jurisprudência na Câmara Superior sobre o tema, não encontramos nenhum precedente a favor dos contribuintes nas situações aqui analisadas. 

Abaixo, alguns exemplos de ementas com os respectivos destaques, de julgamentos recentes proferidos pela Câmara Superior, que demonstram o entendimento do tribunal administrativo sobre a matéria em pauta:  

“ICMS. Item 1. Emissão de notas fiscais com inobservância de requisito regulamentar, consignando o CFOP 5905 - Remessa para depósito fechado ou armazém geral, incompatível com as CNAEs constantes no cadastro do contribuinte destinatário. Item 2. Escrituração de documentos fiscais relativos a entradas de mercadorias acobertadas pela não-incidência prevista no art. 7° do Decreto 45.490/2000 em relação a remetente que não possui em seu cadastro a atividade de Armazéns Gerais - Emissão de Warrant - CNAE 52.11-7/01. RECURSO ESPECIAL DO CONTRIBUINTE PARCIALMENTE CONHECIDO, MAS NÃO PROVIDO. A atividade empresarial de armazenamento na condição de Armazém Geral é permitida mediante o cumprimento de condições previstas na legislação. Registro cadastral como armazém geral é essencial para a aplicação da não incidência prevista no art. 7°, I, do RICMS/00. Demais alegações não conhecidas por ausência de demonstração de dissídio jurisprudencial ou por se tratar de matéria sumulada neste Tribunal” ( TIT – Câmara Superior – AIIM nº 4.100.732-3 – 04/05/2022).

“ICMS – Falta de pagamento do imposto por emissão de notas fiscais referentes a operações tributadas como não tributadas. Contribuinte não é depósito fechado ou armazém geral não havendo que se falar em não incidência do imposto. RECURSO ESPECIAL DO CONTRIBUINTE CONHECIDO PARCIALMENTE E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO. MANTIDA A DECISÃO ANTERIOR. AIIM PROCEDENTE” (TIT – Câmara Superior – AIIM nº 4.088.712-1 – 11/09/2020).

“ICMS. Deixar de pagar o ICMS próprio (item 1) e o ICMS-ST (item 2) em saídas a destinatários não que não se caracterizam como depósito fechado ou armazém geral, não sendo aplicável a regra da não incidência do artigo 7°, I e II do RICMS. Apelo que não aponta dissídio interpretativo e não indica nem junta acórdão paradigma, em ofensa ao art. 49 da Lei nº 13.457/2009. Recurso Especial do contribuinte não conhecido” (TIT – Câmara Superior – AIIM nº 4131780-4 – 01/02/2023).

Já em pesquisa de jurisprudência nas Câmaras de Julgamento do TIT, o cenário muda um pouco, havendo precedentes (poucos) a favor dos contribuintes, conforme a ementa abaixo destacada, decorrente do voto vencedor por maioria (voto de qualidade) da 6ª Câmara de Julgamento:  

ICMS - FALTA DE PAGAMENTO DO IMPOSTO - EMISSÃO DE DOCUMENTO FISCAL REFERENTE A OPERAÇÕES TRIBUTADAS, COMO NÃO TRIBUTADAS – DESTINATÁRIO NÃO POSSUI CNAE DE ARMAZÉM GERAL - REMESSAS DE MERCADORIAS PARA ARMAZENAGEM EM TERCEIROS UTILIZANDO CFOP 5.905 (REMESSA PARA ARMAZÉM GERAL) COMPROVADAS - RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. AIIM JULGADO INSUBSISTENTE” (TIT – 6ª Câmara de Julgamento – AIIM nº 4.100.530-2 – 15/10/2019).

Na ocasião, o voto vencedor da relatora Raquel Harumi Iwase, entendeu que a irregularidade no CNAE do armazém poderia justificar aplicação de penalidade para tal estabelecimento, mas afastou completamente a possibilidade de que tal situação faça nascer obrigação tributária para pagamento de ICMS em relação ao depositante. 

Assim, restou afastada a cobrança do tributo em consonância com o entendimento de mérito já firmado na esfera judicial relativamente ao tema, conforme se verifica dos fundamentos da decisão em foco: “A incidência do ICMS-operação mercantil pressupõe a circulação (jurídica) de mercadorias e a ausência de transferência da titularidade das mesmas não faz nascer o fato gerador da obrigação tributária de pagar o imposto. Tal entendimento, inclusive, já foi sumulado pelo E. STJ quando editou a Súmula 166, por meio da qual assentou que o ICMS não incide em operações de transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, justamente por não haver transferência de titularidade nessas situações”. 

Posteriormente, a exigência fiscal foi restabelecida pela Câmara Superior, seguindo o entendimento ali fincado, conforme observamos acima. 

Mas, conforme adiantamos inclusive em nossa “manchete”, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) destoa desse entendimento do tribunal administrativo paulista; todas as Câmaras de Direito Público estaduais já se pronunciaram pela impossibilidade de cobrança de ICMS quando a empresa destinatária possui mera irregularidade no registro de armazém e quando há prova de que não houve circulação econômica das mercadorias.  

Abaixo, alguns exemplos desse entendimento: 

“REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – Auto de infração lavrado em desfavor da autora, por não ter recolhido ICMS que, de acordo com o Fisco, incidiria sobre as operações de remessa de mercadorias a armazém – Insubsistência da autuação reconhecida – Prova pericial produzida nos autos que comprova a inexistência de circulação econômica das mercadorias, bem como demonstra que aquilo que foi remetido ao armazém posteriormente retornou ao estabelecimento da autora – Conquanto a empresa depositária não esteja registrada, especificamente, como armazém geral, tal fato não pode ensejar a tributação no caso em apreçoInteligência do artigo 7º, inciso I, do RICMS/SP – Precedentes desta Corte de Justiça” (Processo 1038875-96.2019.8.26.0053, 1ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, julgamento em 23/02/2021). 

“ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – Insubsistência da exigibilidade do crédito tributário contido no AIIM nº 4.001.173-2 – Possibilidade – Insubsistente a obrigação tributária decorrente de operações de armazenagem de mercadorias da autora junto ao estabelecimento Noble Brasil S/A, que não configuraram a transferência de propriedade – Estabelecimento de armazenamento não registrada perante a JUCESP como "Armazém Geral" que não implica na obrigação tributária Inocorrência do fato gerador de ICMS – Precedentes desta Corte de Justiça e do STF. R. sentença de improcedência decisão reformada. Recurso da autora provido” (Processo 1055424-21.2018.8.26.0053, 9ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, julgamento em 10/09/2020). 

“Apelação. Ação anulatória de lançamento tributário. Autuação sobre operação de retorno de mercadorias depositadas. Autora que exerce, como atividade principal, o depósito de mercadorias para terceiros. Operação de retorno que não é alcançada pela incidência do imposto. Sentença de procedência na origem. Pretensão de reforma afastada. Para além da circulação física, a incidência do ICMS pressupõe a efetiva circulação jurídica da mercadoria, com alteração da propriedade. Precedentes do STJ e desta Corte. Súmula 166 do STJ. Ausência de demonstração no tocante à alegada simulação de operações para fraudar o fisco. Sentença mantida. Recurso improvido” (Processo 1027082-15.2019.8.26.0554, 3ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, julgamento em 10/11/2020). 

É importante destacar que todos os precedentes acima estão tratando de armazéns com cadastro incorreto perante a Jucesp e, mesmo assim, afastam a incidência do ICMS sobre as operações com base na ausência de efetiva circulação econômica das mercadorias e inexistência de fato gerador.  

Os acórdãos acima também mencionam decisões do Superior Tribunal de Justiça. O STJ já se debruçou sobre a matéria e concluiu que, nas operações com depósito de mercadoria (depósito, guarda e conservação), independentemente da forma como a empresa está cadastrada na Jucesp, inexiste fato gerador do ICMS, tendo em vista a ausência de transferência de titularidade do bem e a ausência de natureza mercantil da operação (REsp 239.360). 

Verifica-se, pois, que o entendimento judicial nas operações de remessa e retorno de mercadorias para armazenagem em depósitos de terceiros está em consonância com a jurisprudência pacificada sobre a não incidência do ICMS em operações que não impliquem em transferência de titularidade dos bens e na ausência de circulação jurídica nas operações (Súmula 166/STJ; Tema 1099/STF e ADC 49).  

Conclusão  

Diante da análise aqui realizada, pudemos observar que a Câmara Superior tem caminhado para pacificar a matéria em prol do fisco, definindo que nos casos em que o depósito de terceiros não possui cadastro como armazém geral perante a Jucesp, com CNAE específico, as remessas (e respectivos retornos) para armazenagem deverão se submeter à incidência regular do ICMS, não estando abarcadas pela não incidência prevista nos artigo 4º, inc. I a III, da Lei 6.734/89 (artigo 7º, inc. I a III, do RICMS/SP).  

As Câmaras de Julgamento do Tribunal administrativo têm seguido a mesma linha de entendimento, com raras exceções.  

Observamos, no entanto, que o entendimento do TIT destoa daquele firmado na esfera judicial, onde pacificou-se a matéria, definindo que a mera irregularidade no CNAE do estabelecimento destinatário que presta serviços de armazenagem como depósito de terceiros não justifica a incidência do ICMS.   

Referido entendimento está pautando tanto no enunciado da Súmula 166/STJ, quanto na tese firmada no julgamento do Tema 1099/STF e da ADC 49, aplicáveis por analogia à matéria em pauta, que dispõem sobre a não incidência de ICMS nas situações em que inexiste circulação econômica ou jurídica da mercadoria.  

Portanto, como visto, a Câmara Superior segue seu entendimento de precedentes sobre o tema, sendo mais uma tese a ser resolvida pelos contribuintes na esfera judicial.

Autoria:

Sulamita Szpiczkowski Alayon - Pesquisadora do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT – NEF-FGV/SP. Pós-Graduada em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas FGV-LAW. Especialista em Tributos Indiretos pela Associação Paulista de Estudos Tributários - APET. Extensão em Contabilidade Tributária pela APET; Planejamento Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET; Gestão de Impostos pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras – FIPECAFI e Contencioso Tributário Estratégico pela FGV. Advogada, Juíza do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo e Conselheira do Conselho Municipal de Tributos (CMT) de São Paulo/SP.

Coordenação:  

Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Lina Santin
Kalinka Bravo


[1] “Artigo 4º - O imposto não incide sobre:
I - a saída de mercadoria com destino a armazém geral situado neste Estado, para depósito em nome do remetente;
II - a saída de mercadoria com destino a depósito fechado do próprio contribuinte localizado neste Estado;
III - a saída de mercadoria dos estabelecimentos referidos nos incisos I e II em retorno ao estabelecimento depositante;” logo-jota