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Cinema

Alexandre Fidalgo, o árbitro de debate

Ritmo e bastidores de um assessor jurídico na campanha eleitoral

Laura Diniz
23/10/2014|03:00
Atualizado em 23/10/2014 às 07:33

O período eleitoral não é extenuante apenas para políticos e integrantes de suas campanhas, mas também para advogados especializados em legislação eleitoral e questões ligadas à imprensa. Alexandre Fidalgo, especialista nas duas áreas, que o diga: “Em ano de eleição, o volume de trabalho já cresce bem em agosto, com o início do horário eleitoral gratuito, e vira praticamente um esquema de plantão às vésperas do primeiro e do segundo turnos.”

Sócio do Espallargas Gonzalez Sampaio Fidalgo – EGSF Advogados, ele tem entre seus principais clientes do mercado editorial os Grupos Abril e Bandeirantes, a TV Gazeta e a Editora Três. Nos últimos dois meses, passou uma média de quatro dias úteis por semana fora de São Paulo. Na foto que ilustra esta reportagem, Fidalgo posa com a mala feiosa que resgatou do quartinho de bagunça da casa, numa emergência, quando sua fiel parceira de viagem perdeu uma das rodinhas. “Deve ter sido o peso da responsabilidade”, brinca.

Fidalgo e a mala feiosa

Há cinco eleições, ele atua numa função bastante peculiar: é consultor jurídico de veículos de comunicação para debates eleitorais. Uma das atividades inerentes à consultoria é estar pessoalmente nas emissoras para avaliar os pedidos de direito de resposta feitos ao vivo pelos debatedores. O advogado e sua equipe participaram de seis neste ano.

De seu escritório, em São Paulo, Fidalgo falou ao JOTA:

Como é a participação do advogado de uma emissora na elaboração das regras dos debates eleitorais?

As regras dos debates são definidas em reuniões entre as emissoras e os representantes dos candidatos. Regras como quem pergunta para quem, tempo de perguntas e respostas, etc. Os advogados das TVs se preocupam em garantir que essas regras respeitem o disposto nas leis eleitorais.

De quais as regras os candidatos menos gostam?

Normalmente, a tela dividida é o que mais incomoda. Os candidatos não gostam que suas imagens fiquem expostas enquanto ouvem a pergunta do oponente. Quem está na frente das pesquisas ou é situação também tenta, muitas vezes, evitar perguntas de jornalistas, que são mais técnicas. Há um temor das campanhas de que os candidatos não dêem uma resposta adequada, estruturada e isso os acabe prejudicando.

E no dia do debate, como funciona?

O advogado fica no switcher, que é a sala onde se define o que vai ao ar. É ali que fica o jornalista responsável pelo debate. Quando chega o pedido de resposta, geralmente as regras dispõem que temos até o início do bloco seguinte para concluir a avaliação. Eu dou o ponto de vista jurídico, se procede ou não, e o jornalista analisa em termos de comunicação. Costuma ser uma decisão fifty fifty.

Os jornalistas costumam seguir a orientação jurídica?

Comigo, até hoje, as posições foram convergentes.

Quando cabe o direito de resposta?

Quando um candidato é pessoalmente ofendido por outro, o que poderia configurar injúria, difamação ou calúnia. O tempo de resposta costuma ser de um minuto.

E se um mente em relação ao outro?

Nesses casos, não tem. Se houvesse direito de resposta para mentira, acho que se travaria os debates (risos). Falando sério: como definir ali, ao vivo, o que é mentira, o que é interpretação? E as meias verdades? Não há condições. No entanto, pode haver mentira que caracterize ofensa à honra, levando ao deferimento de pedido de resposta.

Se a emissora nega um direito de resposta, mas o candidato se sente injustiçado, ele pode recorrer à Justiça?

Os candidatos assinam um contrato em que se submetem às regras acordadas por todos. Entre essas regras, está aceitar a arbitragem dos direitos de resposta. Porém, procurar a Justiça é sempre possível. Falando em tese, se um candidato ganhasse uma demanda dessas, a emissora teria de veicular sua resposta na programação, que poderia ser num de seus telejornais.

Quais são os debates com mais pedidos de direito de resposta?

Quando há muita diferença entre o primeiro colocado e os demais sempre é mais tenso. O segundo colocado costuma partir para o ataque como tentativa de se destacar aos olhos do público. É uma tática comum nas campanhas e que surte efeito porque as pessoas costumam não ter paciência para ouvir o debate de propostas e as questões mais sérias a serem discutidas não são de fácil compreensão.

Quando há esse tipo de ataque, a audiência sobe?

Sobe na hora. Debate eleitoral é um produto. As pessoas buscam emoção da mesma forma que numa novela.

Que outros ingredientes apimentam um debate?

Quando se fala de corrupção, a coisa geralmente esquenta. Foi o que se viu nos debates do Distrito Federal, por exemplo.

Qual o debate mais tumultuado de que o senhor participou nestas eleições?

O primeiro entre os candidatos ao governo do Paraná, no primeiro turno. Logo no início, o ex-governador Roberto Requião faria pergunta para o atual governador (reeleito), Beto Richa. Mas ele se perdeu na administração dos trinta segundos que tinha para fazer a pergunta, não conseguiu concluir seu raciocínio e atirou: “Acho que é impossível o debate dessa forma”. Foram, ao todo, catorze pedidos de direito de resposta durante o confronto – negados, na maioria dos casos.

Houve debates bastante agressivos neste ano. Alguma alteração de regra contribuiu para esse acirramento?

Penso que sim. Houve mais perguntas diretas de candidato para candidato, o que tornou tudo mais dinâmico. Antes, mais perguntas passavam pelo moderador. Além disso, houve debates em que candidatos poderiam responder a mais de uma pergunta dos oponentes, o que também permitiu embates mais interessantes.

Não houve pedidos de resposta na mesma quantidade dos ataques. Por que?

O modelo desfavorece o pedido de direito de resposta, porque a resposta já vem na própria réplica ou tréplica. Muitas vezes, vem na pergunta seguinte do próprio candidato. Então, antes da pergunta, ele se apropria daquele tempo para explicar alguma acusação.

Muitos dizem que os debates hoje são muito menos interessantes do que há quinze anos. De quem é a culpa?

O modelo engessado é culpa dos candidatos. Principalmente, de quem lidera as pesquisas e quer mais segurança. Os políticos buscam uma zona de conforto, por isso ficou tudo tão truncado.

Com a colaboração de André Eler.logo-jota