Aguardada ansiosamente por empresas, investidores, advogados e todos os demais envolvidos com a defesa da concorrência no país, a nova lei do Cade (12.529/11) transformou a atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica a partir do segundo semestre de 2012.
Uma avaliação sobre o funcionamento do tribunal administrativo mostra que, ao menos no início de sua vigência, a lei que pretendia transformar o colegiado no chamado SuperCade, reduzindo a atuação dos conselheiros aos casos mais importantes, obteve boa parte de seu intento.
O plenário deixou de agir no “atacado”, com milhares de processos de pequenas fusões ocupando tempo e esforço dos conselheiros. A maioria absoluta dos casos é aprovado sem restrições pela Superintendência Geral do Cade, à semelhança do que ocorre na maioria dos países.
Neste cenário, os casos mais complexos são avaliados mais detidamente e a negociação desempenha papel fundamental no contato entre o regulador e as empresas, que passaram a fornecer um conjunto maior e mais detalhado de informações. Fugir à regra e sonegar dados embute um grande risco de reprovação.
“As angústias sobre a nova lei foram sendo superadas pelas ações”, sintetiza o atual conselheiro Gilvandro Araújo, que é ex-procurador do Cade. “Se tenho um cenário nebuloso, porque a empresa não me passa informações, vou dizer não à operação.”
Histórico
A concorrência no Brasil mudou profundamente nas últimas décadas. Até o início dos anos 1990, ainda havia expresso controle de preços e, na prática, um conjunto de empresas estatais gerenciava monopólios ou oligopólios em diversos setores. A chegada do Plano Real e a estabilização macroeconômica começou a impulsionar mudanças, em especial devido ao mercado consumidor que se formava e permitia ao setor privado ganhar escala.
A virada para o século 21 coincide com transformações institucionais do Cade. A chegada de Márcio Thomaz Bastos no Ministério da Justiça trouxe a reboque novos procedimentos, atuação conjunta da Secretaria de Direito Econômico (SDE), vinculada à pasta, com a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), do Ministério da Fazenda. Os processos foram colocados em dia. O Cade passou a brigar na Justiça para fazer valer suas decisões. A sociedade conheceu melhor o trabalho do tribunal que investigava grandes cartéis. Foi uma etapa de amadurecimento institucional, em uma avaliação quase consensual no mercado.
A nova lei buscava dar agilidade e impor prazos rígidos para que o conselho desse respostas à sociedade. Tudo foi pensado para que o Cade servisse como um monitor eficiente das práticas de mercado das grandes empresas. Seja em associações e parcerias, como as joint ventures, fusões e aquisições, ou nas práticas ilícitas, como cartéis, combinações de preços, gun jumping, entre outras.
A legislação não conseguiu impedir, no entanto, que a escolha de integrantes do conselho fique subordinada ao calendário político. O tribunal que administra o poder econômico e a força de mercado das grandes empresas está desfalcado há exatamente um ano, depois da saída de Ricardo Ruiz em fevereiro do ano passado.
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A falta de quórum impede decisões qualificadas, como o julgamento de embargos de declaração apresentados pelas cimenteiras condenadas no Cartel do Cimento, um dos maiores da história. Um agravante da situação, que impede o julgamento de novos cartéis, se dá pelos impedimentos que atingem o presidente do Cade, Vinicius Carvalho e Gilvandro Araújo, por terem ocupado a SDE e a ProCade, respectivamente.
A temperatura do problema vem subindo. Em agosto, termina o mandato de Ana Frazão, um dos quatro conselheiros em atividade, do total de sete previstos na legislação. Não há possibilidade de recondução, que permitiria uma solução rápida da presidente Dilma Rousseff. Se não houver indicação, o tribunal interrompe as atividades de plenário no oitavo mês de 2015.
“Se qualquer um de nós fica doente, não tem quorum”, diz Frazão, que planeja retomar suas atividades como professora da Universidade de Brasília ao fim do mandato. O Cade tem uma situação única no cenário brasileiro, temos o controle prévio com prazo para aprovar operações, sob pena de aprovação por decurso de prazo", afirma a conselheira, ex-sócia do escritório Gordilho, Pavie e Frazão Advogados Associados.
Manter o trabalho com a estrutura incompleta, apontam especialistas, cria um deficit de legitimidade: as discussões, aspectos importantes e riscos associados aos negócios ficam mais pobres, com apenas quatro conselheiros, do que as que ocorrem quando há composição integral do conselho.
Números e prazos
Desde a chegada da lei, o Cade avaliou 75 atos de concentração pelo rito ordinário, número que não deve ser comparado com nenhum exercício anterior do conselho, pois a realidade traçada pela lei era outra. O tempo médio antes da decisão do Cade foi de 110 dias.Levantamento do advogado Tiago Severo, professor da FGV-RJ e colunista do JOTA, aponta, ainda, que do início da vigência da lei até o fim do ano passado, 663 atos de concentração foram analisados pelo Cade pelo rito sumário, exigindo uma média de 21 dias para sua conclusãoSevero lista 11 operações que não foram conhecidas pelo Cade.
Os motivos: "1) não atendimento de critérios de faturamento mínimo estabelecidos pela nova lei; 2 - eventual consolidação indireta de controle societário, originária da aquisição de participação, foi inferior a 20% do capital social ou votante da empresa; 3) não atendimento de critérios de faturamento, na medida em que a operação notificada se afastou a caracterização de um mesmo grupo econômico; 4) eventual alteração societária ocorreu sem alteração de controle; 5) determinada joint venture criada não produziria quaisquer efeitos no Brasil; e 6) a transformação de consórcio em Sociedade de Propósito Específico (SPE), para mera constituição de pessoa jurídica, com o objetivo de cumprir a forma exigida em lei que dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias, sem quaisquer alterações ou transferência de ativos, entrada ou saída de agentes econômicos, não seria objeto de notificação obrigatória."
Quanto aos segmentos de mercado em movimento e natureza das operações aprovadas pelo CADE, o Professor da FGV-RJ constatou que "geração, distribuição e transmissão de energia elétrica e construção de edifícios e incorporação imobiliária são os segmentos de mercado que têm liderado os números de operações submetidas à análise do CADE. Aquisições de controle, aquisições de ações, aquisições de ativos, formações de joint ventures e consolidações de controle representaram aproximadamente 72% das operações aprovadas pelo CADE."
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Os dados mostram um caso importante em todas as 21 sessões ordinárias de julgamento. Estão na lista os processos que demandaram votos e atenção redobrados dos conselheiros e do Ministério Público e, vale lembrar: têm impactos significativos na vida das pessoas e empresas.
O Cade equilibra-se, neste cenário, para adotar um mix de remédios e vacinas que tentam antecipar problemas de concorrência em mercados ou eliminar concentrações indesejadas, cujo impacto já é possível verificar antes mesmo que as empresas mesclem suas operações.
Uma das maiores inovações da nova lei, as fusões e aquisições devem ser apresentadas e aprovadas pelo órgão antes da integração das empresas na prática. Dessa forma, o conselho exerce um pouco de “futurologia” em todos os processos, à exemplo das práticas mais avançadas em todo o mundo.
Para evitar problemas, o Cade tem na prateleira vacinas comportamentais e estruturais. As primeiras, impõem ações e medidas que as empresas devem adotar e são monitoradas pelo conselho. As demais incluem, na maior parte das vezes, a venda de ativos.
“A construção desses remédios pode variar bastante dependendo desses cenários”, conta Frazão. Segundo a conselheira, com a nova lei não há mais discricionariedade. "A lei se utiliza da expressão ‘parte relevante’ para dizer que os benefícios do ato devem ser compartilhados com os consumidores. Todas as vezes que pensamos em remédios temos que pensar no saldo positivo líquido da operação e a distribuição para o consumidor. Dá uma tônica diferente na elaboração do remédio",afirma.
Um milhão e R$ 5 bilhões
Um dos casos símbolo dos remédios comportamentais envolveu a compra da Anhangüera pelo grupo educacional Kroton. Relatora do processo, a conselheira Ana Frazão relata que uma das dificuldades específicas da área de ensino se refere às limitações do Cade, uma vez que a aprovação de cursos depende de critérios definidos pelo Ministério da Educação, bem como seu fechamento.
A negociação foi longa e tensa. As empresas contestaram a primeira avaliação da Superintendência Geral do Cade e ao recomendar a aprovação da operação, Frazão estabeleceu a venda da Uniasselvi e remédios comportamentais até 2020. Até lá, o número total de matrículas não poderá aumentar e o número de mestres e doutores deve representar 80% do total de professores.
Uma das principais contestações das empresas ao parecer elaborado pela SG dizia respeito à pedra fundamental na análise de todas as fusões: o mercado relevante da operação.
O ensino à distância, por exemplo, era uma arena em que Kroton e Anhanguera disputavam alunos em todo o país, na avaliação da SG. As empresas, por outro lado, acreditavam que players locais, às vezes no munícipio do estudante, ofereciam concorrência importante para análise da fusão.
<a style="color: #ff6600;" href="http://www.cade.gov.br/upload/Nota%20Técnica%20n.%2006%20-%202014%20-%20Ato%20de%20Concentração%20n.%2008700.005447-2013-12.pdf">Leia a nota tecnica do DEE </a><a style="color: #ff6600;" href="http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000776091960.pdf">Leia o relatório do Ato de Concentração</a>
<a style="color: #ff6600;" href="http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000776131166.pdf">Leia a versão pública do voto da conselheira Ana Frazão</a>
A compra das operações da Anhanguera pela Kroton representava um negócio de R$ 5 bilhões, quando foi anunciada em abril de 2013. A empresa resultante da fusão teria um milhão de alunos e, segundo a Bloomberg, fechou a semana passada valendo R$ 21 bilhões na Bovespa.
Ovelha negra
Em junho, o Cade vetou a primeira fusão sob a nova lei. Por US$ 200 milhões, a Braskem do grupo Odebrecht tentava adquirir a subsidiária da belga Solvay Indupa na Argentina.Em documentos solicitados pelo conselheiro Gilvandro Araújo, que recomendou o veto à fusão, a empresa brasileira informava que a Solvay era sua principal concorrente em diversos mercados relevantes da América do Sul - Brasil e Argentina incluídos.
Segundo Araújo, a aprovação de uma fusão nestes moldes significaria admitir o risco de surgimento de um monopólio na produção de PVC no país, um setor de mercado que seria controlado por apenas uma empresa, com o potencial aumento exagerado dos preços, entre outras distorções.
As empresas informaram ao Cade que a operação consistia na compra de 71% do capital social da Solvay Induza Argentina pela Braskem. Sugeriam que a  empresa brasileira poderia tentar comprar no mercado o restante das ações da Solvay (Oferta Pública de Aquisição) por mais US$ 90 milhões.Por deterem as duas maiores fatias do mercado e não convencerem os conselheiros sobre suas sugestões para minorar a situação, as empresas tiveram negado o ato de concentração.
<a style="color: #ff6600;" href="http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000781601130.pdf">Leia o relatório do Ato de Concentração</a>
<a style="color: #ff6600;" href="http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000781731417.pdf">Leia o voto do conselheiro Gilvandro Araújo</a>
<a style="color: #ff6600;" href="http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000781611022.pdf">Leia o voto da conselheira Ana Frazão </a>
Construção civil
O mercado de cimento sentiu no ano passado a força regulatória do Cade. Não apenas pela imposição de multas superiores a R$ 3,1 bilhões às empresas envolvidas no cartel, mas principalmente pela alienação de fábricas. Após o julgamento, cerca de 20% da capacidade instalada de cimento do país mudaria de dono.
Na fusão da Holcim com a Lafarge, apresentada no Brasil e em outros mercados internacionais, as empresas negociaram antecipadamente e apresentaram desde o início a proposta de vender ativos, tantos que o seu futuro dono será a quinta maior empresa do mercado de cimentos.
<a style="color: #ff6600;" href="http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000782901917.pdf">Leia o Acordo de Controle em Concentração assinado pelas empresas</a>
<a style="color: #ff6600;" href="http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000782891587.pdf">Leia o voto do conselheiro Gilvandro Araújo</a>
A companhia resultante da fusão Holcim-Lafarge detém o terceiro lugar. Votorantim Cimentos e Intercement são as maiores do país. Todas as quatro integravam o cartel do cimento.“Há certos mercados que já são concentrados demais”, avaliou Leopoldo Ubiratan Carreiro Pagotto, presidente da Comissão de Direito da Concorrência do Instituto dos Advogados de São Paulo. “Boa parte das restrições são óbvias para quem trata do assunto.”

Movida

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JOTA

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